Semana Santa (A semana maior)

Aqueles que constroem muros

 ver-se-ão prisioneiros dos muros que construíram

(Papa Francisco)

 

 

Fora ela que, há mais de vinte anos, conduzira Mwadia à festa de inauguração da capela. A menina, na altura, ficou encantada. Em casa, enquanto a mãe preparava o jantar, perguntou:

– Gostei tanto da igreja, mãe. Não podemos fazer uma igrejinha dentro da nossa casa?

– A nossa casa é tão pequena que nem nela podemos ajoelhar.

– Mas mãe, eu queria tanto…

– O que faz uma igreja, Mwadinha, é o sossego que mora lá dentro.

Onde quer que deitasse o sossego a crescer, ela teria uma igreja só dela. Isso lhe prometeu Dona Constança, sua mãe.

Mia Couto, O Outro Pé da Sereia, 2006, p. 79

 

[…] Entrar no deserto. Saborear o silêncio. Parar para contemplar. Respirar simplesmente. Deixarmo-nos invadir pelo belo, pelo bom, pelo justo. Permanecer em atenta escuta, olhando o horizonte mais amplo das nossas vidas. Balbuciar o nome de Deus, do inominável. O Papa convida-nos a «restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos, através do arrependimento, da conversão e do perdão». Que sentido tem o perdoar [nesta Semana Maior]? Que entendemos por reconciliação? Rezemos uns pelos outros. Rezemos pelo Papa. Rezemos pela Igreja. E, sim, ajoelhemos face ao Mistério:

Não deixes o cansaço instalar-se.

Em vez disso silenciosamente

como a um pássaro

Estende a mão ao milagre.

(Hilde Domin)

 

Então, chegou Jesus com os discípulos a um lugar chamado Getsémani e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar.  E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então,  disse-lhes: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui e vigiai comigo. E, indo um pouco adiante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Pai, se é possível, afasta de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.  E, voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro: Então, nem uma hora pudeste vigiar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.  E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade. E, voltando, achou-os outra vez adormecidos, porque os seus olhos estavam pesados.  E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras. Então, chegou junto dos seus discípulos e disse-lhes: Dormi, agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do Homem será entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, partamos; eis que é chegado o que me vai trair.

A Descida da Cruz, Rogier van der Weyden

Stabat Mater, Pergolesi 

«…se não aprenderdes a chorar, não podeis ser bons cristãos!» (Papa Francisco)

tempos de confinamento.

Que sai

bamos aproveitar estes limites e a maior solidão em que vivemos, para nos abrirmos à vossa presença. Nós vo-lo pedimos por Jesus Cristo. AMEN.

 

 

Ao recordar alguns acontecimentos ou ensinamentos recebidos na minha juventude, sou assolado pelo sentimento de ter vivido uma vida num mundo que não só deixou de existir, como me surge hoje como estranho, se não inverosímil. Assim nestes dias quaresmais, regressa à minha mente como então era frequente a oração para obter o dom das lágrimas: sim, sim, orava-se para chorar! Hoje, pelo contrário, não vemos facilmente as pessoas chorar, porque as lágrimas são consideradas como um sinal de fragilidade, algo de que se envergonhar, que em todo o caso não é mostrado por ser julgado coisa de crianças ou de mulheres: os adultos sabem dominar as lágrimas e têm o dever de viver e comportar-se, com os olhos secos. […]

 

 

As lágrimas são uma expressão do nosso corpo, ou melhor, dos nossos sentidos, sobretudo desse sexto sentido de que os seres humanos são providos: esse sentido que é arte do estar presente ao outro e do sentir a presença de outros. As lágrimas são eloquentes, são uma linguagem silenciosa: não são palavra mas também não são gestos, afloram dos olhos e, significativamente, escorrem também dos olhos dos que não veem, quase a dizer que o olho, antes de ter como função a vista, tem em si a possibilidade das lágrimas.

As lágrimas não são sempre linguagem de dor ou de cólera: podem ser lágrimas de alegria, de sóbria embriaguez, de paz… Podem ser um grito, uma invocação de ajuda ou um protesto, mas também a expressão de uma alegria íntima, da ferida causada por uma presença amorosa, de uma paz – consigo próprio, com os outros, com as criaturas em redor – que nos surpreende e inebria.

Ainda hoje, quando sinto que os meus dias se arriscam a passar, então recito a oração para pedir o dom das lágrimas. E quando eclodem como pura gratuidade, deixo-as escorrer e procuro não temer se outros veem. De resto, o que veem na realidade? O que estou a viver de dor ou de alegria… Sim, quando se têm lágrimas nos olhos, o olhar é como velado mas discerne mais em profundidade: a visão, vê-se de frente e de trás, vê-se “diferentemente”.

Um cristão, na oração dos Salmos, encontra muitas vezes as lágrimas: lágrimas que são pão que alguém come, lágrimas que Deus recolhe num odre porque não as esquece mas considera-as preciosas, lágrimas de arrependimento pelo mal feito, lágrimas de exultação que brotam como dança de alegria… E como esquecer que também Jesus chorou, revelando-nos que nele Deus conheceu os sentimentos humanos até ao pranto: chorou sobre a humanidade chorando sobre Jerusalém, chorou por amor do seu amigo Lázaro, chorou pelo próprio sofrimento e morte. A Carta aos Hebreus (5:7-8) diz-nos também que Jesus, chorando, aprendeu a obediência…

Na viagem que fez às Filipinas, o Papa Francisco encontrou uma mulher que chorava e exclamou simplesmente: «Aprendamos a chorar… se não aprenderdes a chorar, não podeis ser bons cristãos!». Cioran afirmava que «no último juízo serão pesadas apenas as lágrimas» e Camus reiterava que «nenhuma lágrima deve ser perdida, nenhuma morte deve acontecer sem uma ressurreição». (in Pastoral da Cultura)

 

No primeiro dia da semana, ao romper da alva, as mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que haviam preparado. Encontraram removida a pedra da porta do sepulcro e, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus. Estando elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes. Como estivessem amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, eles disseram-lhes: «Porque buscais o que Vive entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia.»

Recordaram-se, então, das suas palavras. Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze e a todos os restantes. Eram elas Maria de Magdala, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apóstolos; mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario, e eles não acreditaram nelas. Pedro, no entanto, pôs-se a caminho e correu ao sepulcro. Debruçando-se, apenas viu as ligaduras e voltou para casa, admirado com o sucedido.

 

Bebé milagre nasceu em cima de uma árvore durante o Ciclone Idai em Moçambique. “Sem aviso, a água começou a entrar dentro da casa, e eu não tive outra opção a não ser subir numa mangueira. Em cima daquela árvore, eu dei à luz a minha filha Sara e ficamos naquela árvore durante dois dias.”

 

 

Crianças regressam à sua escola sem teto, depois da passagem do ciclone Idai em Moçambique.

 

 

 

 

 

Aleluia!

Hallelujah, Leonard Cohen

 

Oração Final (Salmo 117 [118])

 

Este é o dia que o Senhor fez

exultemos e cantemos de alegria 

 

Dai graças ao Senhor porque Ele é bom,

porque é eterna a sua misericórdia.

Diga a casa de Israel:

é eterna a sua misericórdia. 

 

A mão do Senhor fez prodígios,

a mão do Senhor foi magnífica.

Não morrerei, mas hei de viver

para anunciar as obras do Senhor.

 

A pedra que os construtores rejeitaram

tornou-se a pedra angular.

Tudo isto veio do Senhor:

é admirável a nossos olhos.

 

Este é o dia que o Senhor fez

exultemos e cantemos de alegria  

 

Aleluia! Aleluia!