Terraço em diálogo - A finitude

Veja uma breve apresentação do que foi este 1.º Terraço em Diálogo, através do vídeo:

A finitude do mundo e o problema do mal   (clique) 


Terraço em diálogo
, 25 de setembro de 2014: A finitude do mundo e o problema do mal foi o tema escolhido para este relançar de conversas e debates no Terraço. A exposição estava a cargo de Andrés Torres Queiruga, teólogo e professor de filosofia da Universidade de Santiago de Compostela. E o formato escolhido (um formato de diálogo, pois claro!) previa o questionamento de Joana Rigato, professora e doutoranda em Filosofia.

Tinha ouvido falar do teólogo Andrés Torres Queiruga e tinha muita vontade de o ouvir. Apesar disso, a certa altura, pensei que não conseguia ir. Na véspera, fui surpreendida pela notícia da morte inesperada e violenta de uma amiga recente – uma mulher jovem com um filho de 6 meses, cheia de dinamismo e de alegria de viver, de sentido de solidariedade e de partilha. Morta por atropelamento. Decidi que tinha absolutamente de ir ouvir Andrés Queiruga.

Não saberei fazer um bom resumo do que foi dito nem tenho a certeza que o que vou dizer corresponda exatamente ao que foi dito, pela ordem em que foi dito. Não me lembro com exatidão das questões colocadas pela Joana Rigato mas sei que, de cada vez, fiquei suspensa da resposta. Era uma boa pergunta, de certeza. Uma das muitas perguntas que se nos colocavam. O que vou dizer é apenas um apanhado (limitado, muito limitado) da forma como apreendi o que aconteceu ali – num tempo e espaço limitados, em que se reformularam pressupostos e o pensamento se abriu.

Queiruga começou por evocar o velho dilema de Epicuro: ou Deus quer evitar o mal do mundo mas não pode e, nesse caso, não é omnipotente; ou Deus pode evitar o mal do mundo mas não quer e, nesse caso, não é bom; ou Deus não pode nem quer evitar o mal do mundo e, nesse caso, não é omnipotente nem bom, logo, não é Deus. A partir daqui, abriram-se linhas de pensamento inesperadas – ou inesperadamente óbvias.

O mundo é finito por natureza. Simples, assim: o mundo é finito. A experiência dos limites está presente até nas dimensões que parecem mais felizes ou mais vencedoras. O exemplo que foi dado – ou o exemplo de que me lembro – tem a ver com o processo de hominização: a posição ereta permitiu à espécie humana desenvolver a linguagem (e, através da linguagem, desenvolver as funções psíquicas superiores). Mas este aspeto tão decisivo na constituição da pessoa humana como ser social e cultural não é perfeito: a maior parte de nós sofre (sofreu, vai sofrer) de dores de costas… O mundo é finito por natureza. Um mundo perfeito seria um mundo infinito – e não seria mundo. Deus não é o mundo nem (co)responde a um problema lógico. A finitude do mundo é uma questão do mundo – e não uma questão de Deus. Uma questão que toca a cristãos como a não cristãos: vale a pena a vida neste mundo finito?

As armadilhas lógicas do dilema de Epicuro marcaram profundamente a nossa tradição e as nossas práticas. A oração centrada no pedido prolonga a convicção de que o sofrimento e o mal estão na mão de Deus (que nos pode libertar deles, se quiser). Leituras literais prendem-nos a uma suposta “vontade de Deus” e alimentam a imagem de um Deus absurdo e sem critérios (ainda que tenha deixado de aparecer como castigador).

Preocupação, talvez recomendação: reler os textos (da Bíblia). Reler os textos com conhecimentos diversificados, reler os textos com instrumentos de leitura e de análise, de compreensão dos géneros literários em causa, na época.

Abandonar a possibilidade de que alguém se cure ou não se cure, se liberte ou não de qualquer espécie de mal por vontade de Deus abandona-nos também à ausência de milagres. Ou talvez não. Talvez nos devolva, inteira, a possibilidade do milagre. Disse o António Cardoso Ferreira, na última intervenção da segunda parte, dedicada às perguntas da assistência: A liberdade é o nosso recurso para fazer milagres.

Abandonar o recurso à oração, na dor e no sofrimento, deixa-nos talvez num maior abandono, desesperadamente entregues à finitude. Ou talvez não. Repensar a oração, ou a relação com Deus, talvez nos conduza por caminhos de interação e de comunhão. Estas são também ainda também palavras do António, que falou da oração como experiência de comunhão com os santos. A antecipar a eternidade.  

Se vale a pena viver neste mundo finito?… Não ousarei respostas, nenhumas. Só vale a resposta que cada pessoa pode e é capaz de dar, em cada momento. Vale talvez a comunhão de que formos capazes – nós, na nossa finitude e na nossa liberdade.

Maria Antónia Coutinho