O 5º Encontro do Terraço em Diálogo foi no dia 19 de Fevereiro e teve como tema “Condições para a Justiça”. Contámos com a presença de Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, interpelado por Ana Luísa Amaral, poeta e professora da Faculdade de Letras do Porto.
Para falar do estado da justiça, Laborinho Lúcio partiu de uma constatação que toca múltiplos domínios das sociedades contemporâneas: “o espaço hoje atrapalha; o que interessa verdadeiramente é o tempo”, um tempo que mais não é do que “o tempo da instantaneidade”, aquele que os mercados valorizam, tempo da celeridade que, ao contrário da morosidade, é ganho e garantia de lucro. Laborinho Lúcio concluiu que, com prejuízo para o respeito pelos direitos humanos, também no domínio da justiça, há hoje uma dimensão de eficácia que deixou de ser uma exigência de cidadania para passar a ser uma exigência dos mercados. Esquece-se nos dias que correm que a justiça é uma questão de cidadania e que maior eficácia, nos termos do que hoje se defende, é sinónimo de menos garantia de respeito pelos direitos fundamentais.
Pondo em destaque o facto de o Estado hoje adoptar o sector da justiça enquanto estratégico para a sua actividade, assim como a actual proliferação dos poderes (ou mesmo a primazia do poder económico sobre o político) tal como a diluição dos poderes legislativo, executivo e judicial, Laborinho Lúcio recoloca a pergunta sobre a relação entre a justiça e a política. Entende tratar-se de uma questão central: “se queremos que o Estado volte ao seu lugar”, é preciso implementar medidas reguladoras que viabilizem um modelo mais cooperativo e participativo do que corporativo. Ora essa regulação – acrescenta – passará necessariamente pelos tribunais.
No diálogo com Ana Luísa Amaral, o antigo ministro da Justiça transitou da reflexão sobre os princípios que, pela sua longa experiência, pautam a sua compreensão da actualidade e dão forma ao seu desejo (à sua utopia), para um registo não menos empenhado e entusiasta que, no decurso da conversa, se revelou sem descontinuidades e com iluminações, fulgurante mesmo.
O pretexto, ali relevado pela leitura sensível de Ana Luísa Amaral, foi “O Chamador”, livro da autoria de Laborinho Lúcio de 2014, uma obra de ficção em prosa poética, difícil de classificar por nela conviverem memórias pessoais, o género dramático, o romance, deambulações pelo cinema e pela literatura. Entre histórias e o relato de passagens do seu livro, Laborinho Lúcio referiu que durante toda a vida lidou com a verdade factual e que a verdadeira verdade não é a verdade do poder, mas a verdade das pessoas e das suas vidas únicas e de incontornável complexidade. Percebemos, então, por que razão conta histórias: porque entende a verdade como um caminho, como algo a compreender, e não como um ponto, como uma estabilidade.
E quanto à justiça, às condições para a justiça? A ternura com que expõe as suas personagens faz entrever que a justiça não pode ignorar o afecto, as emoções e o cuidado. São o que tece o caminho que se faz verdade. Certamente residirá nesta concepção a articulação entre justiça e imaginação para que Laborinho Lúcio apelou.
Helena Valentim
(Publicaremos em breve o vídeo deste 5º Terraço em Diálogo)
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