Ao entardecer do dia 26 de Novembro de 2015 reunimo-nos no Terraço para escutar um diálogo entre a Física e a Poesia. A mediar estas duas disciplinas de conhecimento, a velocidade ao quadrado/como equação de luz (1). Para nos falar da Poesia, da Física e da Luz, tivemos a poeta Ana Luísa Amaral, a física teórica da Universidade do Porto Joana Espain e como moderadora a investigadora de Literatura Comparada também da Universidade do Porto, Marinela Freitas.
A Voz da Luz – entre a Física e a Poesia, foi o título encontrado para esta conversa que surgiu a partir da proclamação da ONU, para 2015, do Ano Internacional da Luz. O que une estas duas disciplinas? O conhecer mais puro. O ar que trás os sons,/o tempo a transportar a luz. As estrelas já mortas,/de onde nascemos, a sua luz ainda. Aqui junto de nós. (2).
O destaque feito à Luz pela ONU incide sobretudo na luz como fonte para todas as tecnologias óticas baseadas na luz e no reconhecimento de que promovem o desenvolvimento sustentável fornecendo soluções para os desafios mundiais nas áreas de energia, educação, agricultura, comunicação e saúde. Este diálogo centrou-se, contudo, a partir da formulação da Teoria da Relatividade por Einstein em 1915, exatamente há 100 anos, reconhecendo na Luz, não só uma dimensão física como uma dimensão poética.
A formulação da Teoria da Relatividade por Einstein alterou as coordenadas com que nós passámos a olhar o Universo porque ficámos a saber, mesmo os que pouco entendem da física teórica mas se rendem à evidência da prática, de que o espaço e o tempo se tornaram intimamente ligados e que é a luz que os medeia.
Então, a equação que nos diz que a Energia é igual a uma certa massa que se desloca à velocidade da luz e que tudo isso se multiplica por si mesmo – E=mc2 -, é como uma metáfora do mundo natural, é toda a natureza dita numa expressão mínima por uma equação que se tornou universal; é o máximo revelado pelo mínimo, é o mais no menos. A equação é, para os cientistas, o modelo do belo, a síntese da síntese, o simples, o simplesmente belo. E o belo contém em si a verdade e a verdade é a ordem.
A Poesia, sendo ela mesma a expressão mínima da bela verdade máxima, é por si também uma forma de ordenação do mundo, uma síntese; a poesia é uma fórmula bela que nos chega primeiro, antes de todas as certezas empíricas.
E então, é aqui que a ciência toca a poesia quando a poesia é paradoxo e transforma o instante numa eternidade à velocidade da luz; e também é metáfora ao nos dizer que somos feitos dessa mesma luz, uma partícula sem massa que se desloca, por isso, sem incómodos nem percalços nos circuitos da memória. Poesia e Física buscam a compreensão do ser humano e do mundo, não pela linguagem comum mas pela bela tensão onde ambas se movem entre a razão e a emoção porque não se pode sentir sem pensar nem pensar sem sentir para que surja a novidade.
É então que Poesia e Física, entre o que uma observa e a fórmula que a outra nos sugere, se tornam na iluminação dos espíritos, que viajam entre o Kairos e o Kronos porque a Luz é o caminho mais próximo entre uma dúvida e uma solução.
Anotações de Alexandra Lisboa
(1) Relatividades, por Ana Luísa Amaral
Albert Einstein tinha um cabelo hirsuto
e branco na idade,
e nariz farejante junto ao tempo.
E assim deixou o verso
mais perfeito:
velocidade ao quadrado
em equação de luz.
Fervendo pelo espaço,
a energia mil igual à massa
(vezes o que já pus
nos outros versos).
Mas era o olhar longo,
as pálpebras tão tristes
de ver além de nós:
melodias de sonho e teoria,
filamentos hirsutos junto ao Sol,
cogumelos, acordes.
E na corrente quântica das coisas,
Entender que o mais largo
É o que não se vê:
quadrado inconsciente
gerando,
um éme cê amargo:
por moderno e feroz
auto-de-fé.
(2) Como desabitado o coração, por Ana Luísa Amaral
Podem acontecer, e então a música
decerto estará lá,
as palavras surgirão então, o sol, o girassol, a luz
que gira em torno de eixo feito de outra luz.
Poderia ser Deus, ou paz.
Sentir. E de repente o mundo a acontecer,
o milagre do mundo a acontecer –
Lázaro em vestes brancas,
ausente o pó do quarto onde morara, entretecido
a morte e cheiros de planeta envelhecido.
A estrela nova nascendo dos seus pés.
Eis-me, em milagre e mudo.
Lázaro, a sua voz
em sinfonia muda
Ou a violência dentro do coração,
vibrando dentro do coração, ventrículo desfeito
por esta certeza: surgirão as palavras a seguir,
tão lisas e potentes como a música.
Serão como a beleza das pirâmides, a
perfeição: onde pequeno seixo atravessado em falha?
Onde folha finíssima por entre as pedras, as siamesas pedras,
resistentes ao vento e ao deserto, a sua forma, a esplêndida,
a forma mais capaz de resolver enigmas?
Nessa folha finíssima, ou na pedra:
o mais puro milagre
Podem acontecer: junto ao deserto do gesto
desumano, o chicote, a tortura, o revólver bramando no vazio,
a mão que se detém, a boca que não grita,
Lázaro, a sua voz. Igual a música
Eis-nos, e mudos
O conhecer mais puro. O ar que traz os sons,
o tempo a transportar a luz. As estrelas já mortas,
de onde nascemos, a sua luz ainda. Aqui, junto de nós.
Habitar sem saber a mecânica quântica, igual
a habitação de coração.
O pensamento mais iluminado.
Saber da energia, o mais puro conceito.
Como Deus
Podem ainda assim
acontecer ao longo do deserto, das fronteiras
erguidas, quase tocando o céu, como pirâmides.
De Rodes, o colosso dividindo, mas aberto aos navios,
o sândalo, a canela, especiarias, mais de mil cheiros,
saltos de gigante, pirateado o coração e o sol.
E ao seu lado, a voz humana:
cal viva e uma paisagem de cacto e maravilhas.
Alguns
milagres.
Junto à vida amputada, à clave, à carne rota,
ao eminente apodrecer das cores:
capazes de fazer tombar ruídos longos,
e ficar só um timbre, mas mais que uma miragem,
um timbre, som de diapasão vibrando pelo tempo,
ou festa de Babel.
A estrela que morrera, a sua luz cruzando
o velho éter, já não éter, mas tempo
Anoitece, e está vermelho o sol ao lado das pirâmides.
Há-de ser isto o eixo de outra luz,
amigos a saudar-se, devagar,
ao lado do silêncio, hão-de surgir.
A eclosão de impérios. Cheiro o cheiro a marfim,
de sílabas tão brancas
Lázaro fala, pela primeira vez.
rouco de voz, primeiro, depois a sua voz:
Eis-me em milagre, mundo!
E o reconcerto abate-se na luz,
e um dedo basta para o reconforto. Um dedo.
As suas veias. Fio de cabelo ou pena de pavão
tornam-se sons, leve ponto de açúcar, se o vento de galáxia
os amacia. Podem então,
em longo desconserto
E encostada à música, essa palavra nova nascerá:
rota dos olhos que não viram nada,
mas com peixes ao fundo, multiformes,
a voz sem palco e tudo a acontecer.
primeira vez –
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