Semana de reflexão sobre o núcleo internacional no Uganda e na Tanzânia (6 a 17 de dezembro de 2015)


“O reino dos céus é semelhante ao mercador que busca as mais perfeitas pérolas e que, ao encontrar uma pérola de grande valor, foi, vendeu todas as pérolas que tinha e comprou essa pérola”

(Mt 13, 45-46)


Terra vermelha, sempre a terra vermelha, desta vez a estação das chuvas, em que o calor vai subindo de intensidade até parecer que a terra não aguenta mais e o céu pesado como que “se dispara” em bátegas de água, violentas, espessas, rápidas, inundando tudo, os caminhos de terra batida transformados em verdadeiros riachos. Depois tudo acalma, refresca sem ponta de humidade, a água penetra a terra rapidamente e é o verde que permanece, verde tenro e vivo, vegetação espessa, tudo a brotar da terra abençoada e fértil como uma mãe.

A Formação

Além de se celebrar a adesão de 11 mulheres ao Núcleo do Graal no Uganda e na Tanzânia, aproveitou-se a oportunidade para se fazerem dois programas de formação (de cerca de duas semanas) sobre o Núcleo e as diferentes opções vocacionais existentes, dentro do Movimento semelhantes ao que se fez em Portugal na semana de Todos-os-Santos em 2013.

Estes programas de formação tiveram lugar nos centros do Graal em Kampala (à saída da cidade), Uganda, e em Kisekibaha, na região da montanha do Kilimanjaro (a mais alta de África), “perto” da cidade de Moshi… mas o que é perto neste imenso país? Havia um conjunto de facilitadoras – Lucy Kimaro, Honorata Mvungi e Margarita Shirima (Tanzânia), Regina Bashaasha e Josephine Nagakolo (Uganda), Angelina Kyonda (Quénia), Loek Goemans (Africa do Sul) Martha Heidkamp, Mary Kay Louchart e Sharon Joslyn (Estados Unidos), Christa Werner (Alemanha); Maria Carlos e eu própria (Portugal): cerca de 15 participantes na semana em Kampala e  25 em Kisekibaha. Do hemisfério Norte participaram dois membros do Graal nos Estados Unidos e a Sónia, do Graal em Portugal.

Os dias eram completamente preenchidos com duas orações/meditações de manhã e ao fim do dia, reuniões e debates ao longo do dia com breves intervalos para as refeições. Eis alguns dos temas: história do Graal; a situação internacional do Graal; o Padre van Ginneken e a sua visão do papel das mulheres leigas; mulheres como cristãs esclarecidas; Eucaristia como o centro da nossa vida; vida em comunidade e alimento espiritual; testemunhos “a minha vida no Graal”; escolhas de vida no Graal; o compromisso no Núcleo à luz do Evangelho; desafios para o Núcleo. O tema geral das semanas foi “Em busca da pérola perfeita” (Mt 13, 45-46).

Kampala – Uganda

Kampala é uma cidade profundamente desigual, com o seu centro financeiro, diplomático e turístico mesmo no meio da cidade – hotéis com campos de golfe privativos em vez de jardins públicos -: os pobres vão sendo empurrados para as periferias de uma cidade imensa, com as suas variadas entradas feitas mercados de rua ou reduzidas lojas em fileira sobre o solo em terra batida, esgotos ao ar livre onde debicam galinhas, e onde há de tudo: venda de roupas, produtos de 1ª necessidade e enlatados, peixe do lago Vitória e aves domésticas e, também, cabeleireiro, sapateiro, farmácia, bijuteria, venda de depósitos para recolher a água das chuvas, contentores em plástico para ir buscar a água, bacias para lavar a loiça ou a roupa, venda de capulanas, alimentos – fruta, a suculenta fruta e os legumes, dispostos artisticamente em pequenas pirâmides coloridas.

O centro do Graal em Kampala é um oásis de verde em terra vermelha, construções perfeitamente auto-sustentadas, enormes depósitos para recolher a água das chuvas, biogás, terra plantada com aquilo que é necessário para a alimentação. Simultaneamente criam-se empregos para a população local. Existe um curso de formação de nível médio com um acordo com a Universidade de Kampala.  Uma vida ao jeito das primeiras comunidades cristãs em que a vida em comunidade, a partilha de bens e de trabalho, são associadas a uma centralidade da vida espiritual.

Fizemos, ainda, uma visita ao santuário dos mártires do Uganda (em Namugongo) onde, no início do século XIX, foi torturado das formas mais infames um conjunto de cristãos (católicos e protestantes) que trabalhavam para o rei Kabake Mwanga, então rei do reino do Buganda. Recusaram-se a renegar Cristo.

Kisikibaha – Tanzânia

O centro do Graal em Kisikibaha situa-se num vale verde fértil em terra vermelho-ocre, enquadrado por montes verdes e graníticos. O centro é completamente auto-sustentado e acolhedor, com salas de aula, capela, cozinha e grandes salas de jantar onde também se está, que irradiam compromisso com os que mais precisam, nomeadamente na educação de mulheres e na criação de empregos locais. Em Kesikibaha faz-se um trabalho absolutamente notável com as meninas Masai através de um centro integrado onde recebem cuidados e educação, as mais velhas se responsabilizam pelas mais novas, experimentando o respeito pela sua cultura, ao mesmo tempo que vão à escola local. Apenas um membro do Graal a cuidar delas, a Feliciana, que se sente feliz no trabalho que faz: tirou um curso sobre pedagogia Montessori e fabricou ela própria os materiais e brinquedos destinados às crianças. Um dormitório colectivo onde todas dormem (a mais nova com quatro anos de idade) mas onde cada uma tem uma caixa ou mala pessoal com os seus haveres e pertences. A Feliciana dorme na primeira cama à entrada do dormitório e tem um escritório mínimo mas confortável, onde faz café ou chá, aquece a sua comida e guarda registos. Numa das salas de atividades as crianças comem ajudando-se umas às outras. Os pais também são abrangidos nesta ação comunitária que evita que as meninas sejam dadas precocemente em casamento e as protege, simultaneamente, da mutilação genital. É a Honorata Mvungi, conhecida de algumas de nós, que faz o trabalho de campo de contacto com as famílias, convencendo-as a confiar as meninas ao Graal. Vão para casa nas férias escolares.

Na Tanzânia pude, ainda, visitar a belíssima escola secundária de Teresa de Ávila com o Kilimanjaro ao fundo. Considerada uma das 15 melhores escolas secundárias da Tanzânia funciona em regime de internato. As jovens, além das aulas regulares fazem trabalho na horta e no jardim que garante as refeições diárias. E, sempre, sempre, galinheiros plenos de aves domésticas. Nem sempre conseguem ter um bom equilíbrio na frequência de jovens de famílias que podem pagar e de famílias que não podem pagar as propinas, mas esse continua a ser o objetivo final, afirmaram as responsáveis. Visitámos outras três equipas do Graal que vivem na área: uma equipa que gere um centro de saúde; outra que apoia um centro comunitário, e uma residência para as do Graal que trabalham na escola secundária.


Tantos nomes que dançam nos meus ouvidos: pessoas, lugares, tempos e alimentos, objetos e palavras, orações em swahili. Como diz um antropólogo americano: “deixa que os nomes te persigam”. Assim tenho vivido estas últimas semanas. Assim eu não deixe que tudo se esvazie na des-memória dos dias…

Ticha Vasconcelos