Por Alexandra Lisboa
Fizemo-nos ao Caminho logo desde o momento em que tivemos que decidir o que meter na mochila que iria conter todos os nossos bens para a semana que se seguia. Cada grama conta por isso, deveríamos levar apenas o essencial. Para encontrar o essencial, o eco da poesia de Daniel Faria – neste tempo transitório mantém-me mendigo – e a certeza de que o próprio Caminho nos levaria a despojarmo-nos do a mais que tivéssemos considerado essencial.
Partimos a 5 de Agosto de Vilalba, e trilhámos 120 quilómetros do Caminho do Norte em direção a Santiago de Compostela. Ainda de noite, a cada madrugada, reuníamos em oração reforçando o propósito de cada um de nós para o novo percurso que se abria à nossa frente. A cada madrugada, ainda de noite, abríamos caminho por entre o escuro do chão sinuoso e as estrelas da luminosa Via Láctea no céu, ambas, a noite e a luz, estradas de um mesmo caminho. Esperavam-nos jornadas de aproximadamente 7 horas de caminho, a primeira das quais sempre em silêncio como que a prolongar, intimamente, a primeira oração do dia. As horas seguintes eram feitas em passos ritmados, de velocidade constante com o objetivo da chegada, fazendo caminho. No final de cada jornada cada parte do corpo se sentia como se fosse nosso pela primeira vez mas foi ao terceiro dia que os pés se fizeram sentir como a única parte do nosso corpo que verdadeiramente existia. Os pés pesavam como nunca antes tinham pesado.
Os pés…
… pesam… por isso a graça da identificação com o Cristo da Paixão.
E os pés que pesam são a grande novidade; estes pés que nos agarram ao chão e que nos lembram a cada momento que somos carne, surpreendem-nos na sua dor e centram-nos em nós mesmos fazendo-nos duvidar que no dia seguinte nos deitaremos à estrada novamente. Mas é também pelos mesmos pés sofridos, na urgência de nos deitarmos ao caminho que, no dia seguinte, entregamos a dor por um outro que não nós mesmos, um outro por quem prometemos o caminho, as nossas dores e também a nossa chegada. É o descentramento de si, com o pensamento no outro; por isso, o outro por quem se deram as dores, é quem nos leva até ao fim do caminho. O valor do outro surge-nos novamente quando, na condição de ninguém poder dar os meus passos por mim, ser sempre na partilha do caminho, das palavras, do fôlego e dos bens que se chega ao final do caminho; cada um dá os seus próprios passos mas é sempre o outro que nos leva, muitas vezes num silêncio partilhado onde apenas se ouvem os passos na terra e o calor do sol que torra a ritmar o percurso. No final de cada dia, um encontro com Jesus numa reunião Eucarística revendo o dia e aprontando-nos para o dia seguinte porque todos os dias se morre e todos os dias se renasce.
E assim os pés tornam-se leves.
Os pés…
… tornam-se leves fazendo-nos chegar ao destino e por isso, a graça da identificação com o Cristo da Redenção.
Cada caminho é feito de milhares de mil passos e todos dados um de cada vez por isso a graça da paciência e a graça da força pedidas a cada manhã, invocando o nome de Jesus, para assim os darmos em companhia; por um passo de cada vez, se fez o caminho levando tudo o que somos, largando tudo o que pesa porque o caminho se faz subindo em direção a uma transfiguração para a glória porque cada um de nós é mais longo do que aquilo que sabe de si e se deve fazer leve, cada vez mais leve.
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