Uma mulher sem nome

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Fresco na Catacumba de Marcelino e Pedro, em Roma.
Certa mulher, vítima de um fluxo de sangue havia doze anos, que muito sofrera nas mãos de muitos médicos e gastara todos os seus bens sem encontrar nenhum alívio, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por entre a multidão e, por trás, tocou-lhe na veste pois dizia: “Se ao menos eu tocar nem que seja nas suas vestes, ficarei curada” E logo estancou o fluxo de sangue, e ela sentiu no corpo que estava curada do seu mal. Jesus, sentindo logo que saíra dele uma força, voltando-se para a multidão, disse: “Quem tocou as minhas vestes?” Os discípulos diziam-lhe: “Vês que a multidão te comprime por todos os lados, e dizes: “Quem me tocou?” E ele olhava em volta, para ver aquela que tinha feito isso. Então a mulher, receosa e a tremer, sabendo o que lhe tinha acontecido, foi prostrar-se diante dele, e disse toda a verdade. Disse-lhe ele: Filha, a tua fé salvou-te; vai em paz, e fica sabendo que estás curada do teu mal.”

 

Mc, 5:28-34

 

Uma mulher de quem não sabemos o nome. Doente, certamente anémica, muito debilitada. Segundo a Lei é considerada impura, assim como ficaria impuro tudo em que tocasse, sendo por isso excluída de todo o convívio. Mulher corajosa. Não se resigna. Quer recuperar uma vida digna. Procurara solução para o seu mal junto de vários médicos, gastando todos os seus bens, mas sempre piorando… Não desiste. Fará tudo o que está ao seu alcance para viver uma vida saudável e partilhada. Ouviu falar de Jesus. Renovou-se a sua esperança. Vê a multidão seguindo Jesus. Arrisca, junta-se discretamente pensando “se ao menos…” Está só no meio de tanta gente. Aproxima-se e em silêncio estende a mão e toca no seu manto. Sabe que por esse gesto pode ser apedrejada. Mas não desespera. Acredita do fundo do seu ser. E, quando lhe toca, sente que recuperou a saúde há tanto perdida

Nesse momento, entre Jesus e ela, estabelece-se uma corrente. O desejo imenso da mulher faz Jesus sentir que uma força saiu dele. Sabe para quem foi mas quer que todos vejam essa mulher reerguida porque acreditou na possibilidade de uma vida renovada. Pergunta: “Quem me tocou?” Os discípulos acham impossível descobrir no meio de tanta gente, mas a mulher percebe que Jesus sabe. Cai-lhe aos pés e conta a verdade. Jesus chama-lhe “Filha!” e, naquele momento, esta mulher, até há pouco doente e só, é incluída, integrada, na sociedade e na família de Jesus, naquela família “reino de Deus”, que Ele anuncia, onde todos são irmãos. Não sabemos como foi a vida desta mulher a partir daí, mas acredito que não mais esqueceu aquele momento, tendo vivido o resto dos seus dias dando testemunho do amor que cura.

Esta mulher sem nome, fraca mas tão forte, pode representar todas as mulheres, todas nós, que em algum momento se sentem sós, doentes, impotentes, excluídas, mas acreditam que tudo pode mudar e o pedem do fundo do coração. Desejariam tocar no manto de Jesus, talvez mesmo sem O saberem nomear. Esse desejo chega até Ele, toca nele. Embora a resposta não seja sempre a esperada, o certo é que alguma coisa muda no seu íntimo. Reconhecem-se filhas. E, apesar do sofrimento e da angústia, não desistem e lutam por uma vida verdadeira, acreditando que a mudança é possível e fazendo acontecer a Esperança no meio dos seus irmãos.

Ao pensar nesta mulher anónima, pensei em Etty Hyllesum. Ela também tentou tocar a veste de Jesus. Escreveu no seu diário: “Existe em mim um poço muito fundo. E neste poço está Deus. Por vezes consigo chegar-lhe…” Na sua procura sentiu-se filha de Deus, dando-lhe uma mudança de vida e de perspetiva que a levou a partilhar a vida dos seus irmãos, companheiros de horrores e atrocidades, tentando ser para eles um pouco de bálsamo e uma pequena luz naquela noite tão escura. Escreveu (em jeito de oração): “Gosto imenso das pessoas, porque em cada uma, amo um pedaço de ti, meu Deus. E procuro-te por toda a parte nas pessoas e, muitas vezes, acho um bocadinho de ti. E tento desenterrar-te nos corações dos outros, meu Deus.”

Lucy Wainewright