No despertar da consciência feminista jogam fatores de tomada de consciência pessoal e fatores de solidariedade com as outras mulheres. Da confluência dos dois tipos de factores nasce o desejo de uma sociedade radicalmente nova e com ele o desejo de uma mudança global e universal.
Maria de Lourdes Pintasilgo
Duas mulheres, primas, ambas grávidas; uma mais velha do que a outra, uma grávida quando já nada o faria esperar. O texto de Lucas não diz que se abraçaram, mas é essa a representação que se instalou. Abraçaram-se, provavelmente como quem não se vê há muito tempo. Talvez como quem se alegra de ter alguém com quem se abrir, com quem falar.
Abraçaram-se. E ao som da voz que a saúda, Isabel sente o corpo – compreende com o corpo. O bebé mexe-se na barriga e Isabel junta as peças, familiariza-se com o mistério. Na voz do evangelista, Isabel compreendeu tudo, imediatamente.
Talvez sim. Ou talvez não.
Talvez tenha compreendido de forma confusa, difusa. Talvez tenha intuído que a sua história pessoal não era uma história isolada. E falou. Sem rivalidade, sem temor. Solidária.
Maria ficou com Isabel durante três meses (provavelmente, durante o resto da gravidez).
Devem ter falado de tudo e de nada. Devem ter falado do que estavam a viver, do que lhes estava a acontecer e que não compreendiam bem; do medo que sentiam, mas também do entusiasmo, e da esperança. Da espera.
Devem ter tagarelado sem parar. E devem ter rido.
Contada pelo evangelista, Isabel faz parte de uma história anunciada, reconhecida e louvada como história sagrada. Mas o que me liga a Isabel é a história anterior – uma história humana, que adivinho cheia de perplexidades.
O que admiro em Isabel é a forma como se inscreve na história, ao tomar a palavra.
O que comove em Isabel é a capacidade de dizer a fé, que o evangelista regista – dizer a fé no meio da perplexidade inevitável, que adivinho.
Isabel antecipa-nos, mulheres e homens de todos os dias, a conviver com a perplexidade – uma perplexidade que dói desesperadamente (tanta injustiça, tanta violência, tanta dor, tanta desumanidade). Isabel antecipa-nos, mulheres e homens na vulnerabilidade das situações que não compreendemos, que não dominamos. Isabel antecipa-nos, mulheres e homens que tomamos a decisão do impossível. Antecipa-nos, mulheres e homens para quem a tomada da palavra/ação não pode esperar. Porque “A fé é a certeza de que o futuro irrompe no humano presente e que um dia o assumirá plenamente numa realidade paradoxalmente idêntica e outra.” (Maria de Lourdes Pintasilgo, Imaginar a Igreja, p. 114).
Antónia Coutinho (Tó)
A fé é a certeza de que o futuro irrompe no humano presente e que um dia o assumirá plenamente numa realidade paradoxalmente idêntica e outra.”
Maria de Lourdes Pintasilgo
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