O VITRAL

Vitral “Fogo do espírito” (detalhe) | Alice Fernandes


A PALAVRA

Uma pequenina luz

 Uma pequenina luz bruxuleante

 não na distância brilhando no extremo da estrada

 aqui no meio de nós e a multidão em volta

 une toute petite lumière

 just a little light

 una picolla… em todas as línguas do mundo

 uma pequena luz bruxuleante

 brilhando incerta mas brilhando

 aqui no meio de nós

 entre o bafo quente da multidão

 a ventania dos cerros e a brisa dos mares

 e o sopro azedo dos que a não vêem

 só a adivinham e raivosamente assopram.

 Uma pequena luz

 que vacila exacta

 que bruxuleia firme

 que não ilumina apenas brilha.

 Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.

 Muda como a exactidão como a firmeza

 como a justiça.

 Brilhando indeflectível.

 Silenciosa não crepita

 não consome não custa dinheiro.

 Não é ela que custa dinheiro.

 Não aquece também os que de frio se juntam.

 Não ilumina também os rostos que se curvam.

 Apenas brilha bruxuleia ondeia

 indefectível próxima dourada.

 Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.

 Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.

 Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.

 Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.

 Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:

 brilha.

 Uma pequenina luz bruxuleante e muda

 como a exactidão como a firmeza

 como a justiça.

 Apenas como elas.

 Mas brilha.

 Não na distância.

Aqui no meio de nós.

 Brilha»

Jorge de Sena


O SOM