O Senhor está perto dos corações contritos e salva os espíritos abatidos.

Por Svetlana Poliakova

 

É de penitência o tempo,

e a Ti, meu Oleiro, acorro:

do pecado que me pesa

o gravame me alivia,

e minhas quedas releva,

por Tua filantropia.*

Com estas palavras de Santo André, arcebispo de Creta e hinógrafo que viveu entre 660 e 740, começa a viagem pela Quaresma nas igrejas do Leste da Europa. A sua voz encontra-se, nas orações quaresmais, com as vozes de cristãos de todas as confissões. E é a mesma evocação de penitência que se reflete nos ensinamentos de todas as comunidades religiosas fundamentadas na fé em Deus, que nos ensina o amor.

Encontramos um exemplo disso mesmo no filme “Don’t Judge” (não julgues), nomeado para Short Film Award em 2020 (SOFIE). Elvis Naçi, o realizador, é sacerdote da Comunidade Islâmica da Albânia, reconhecido pelo seu trabalho humanitário.

Esta curta-metragem (de 4 minutos) não precisa de palavras ou de legendas para nos comover profundamente e reavivar o sentido de penitência nas nossas vidas. Um menino da escola primária e o seu professor mostram-nos a beleza da dedicação permanente ao próximo. Mesmo quando causa sofrimento, prevalece o poder da humildade, que permite reconhecer erros, pedir perdão e aceitar “uma troca de papéis” entre aluno e professor.

*Tradução de Luís Filipe Thomaz – hieromonge Jerónimo.

Longo tempo o conquistou no contemplar.

Estrelas caíam de joelhos em luta.

Ou era ele que ajoelhado contemplava,

e o perfume da sua instância

cansava um imortal até

que ele lhe sorria do seu sono.

 

Olhava as torres de tal modo

que elas se assustavam:

erguendo-as de novo, ao alto, de repente, num momento!

Mas quantas vezes a paisagem,

sobrecarregada do dia,

vinha deitar-se e repousar no seu calmo contemplar, ao anoitecer.

 

Animais entravam confiados

no seu olhar aberto, a pastar,

e os leões cativos

fitavam por ele dentro como pra uma liberdade inconcebível;

 

aves atravessavam-no, voando a direito,

a ele benigno; flores

reviam-se nele,

grandes, como em crianças.

 

E o boato de que havia um que via,

movia as que eram menos

e mais duvidosamente visíveis,

movia as mulheres.

 

A contemplar, quanto tempo?

Há quanto já a íntima carência,

suplicante no fundo do olhar?

(…)

Porque, olha, há limites para o ver.

E o mundo mais contemplado

quer medrar no amor.

 

Obra do ver está já feita,

faze agora do coração

nas imagens dentro de ti, presas em ti; pois tu

Subjugaste-as: mas agora não as conheces.

vê, homem de dentro, a tua amada de dentro, que conquistaste

de mil naturezas, agora

apenas conquistada, nunca

ainda amada criatura.

 
Rainer Maria Rilke, “Viragem” (1914).